Poemário: as influências

O construtivismo:

O Construtivismo representou um movimento de vanguarda artística (artes plásticas, escultura, arquitetura, cenografia, dança, fotografia, design) que surgiu no início do século XX na capital russa, Moscovo. Durou até meados da década de 1920 e influenciou o movimento artístico da Bauhaus.

Essa vertente de influência futurista, esteve preocupada em mostrar uma nova configuração da arte, imbuídas dos aspetos da Revolução Industrial, ou seja, uma arte que rompia com o passado tradicional, trazendo à tona outras formas de apresentação, associados aos avanços técnicos e tecnológicos modernos, por exemplo, as máquinas, engenharia, eletrónica, evolução fabril, dentre outros.

Para isso, os artistas construtivistas, sobretudo os precursores e fundadores do movimento Vladimir Tatlin, Aleksandr Rodchenko, El Lissitzky e Naum Gabo, utilizaram a tridimensionalidade, o relevo, o objeto industrial, a fotografia, a tipografia e a moda para expressarem os ideais do movimento.

Luís Miguel Castro:

Luís Miguel Castro teve os primeiros contactos com as artes gráficas, no Porto, onde estudou Litografia na Escola de Artes Decorativas do Museu Nacional de Soares dos Reis, capista de Arco-Íris e assistente de João Botelho em capas para a Afrontamento, histórica editora daquela cidade, e da lisboeta Regra do Jogo, de José Leal Loureiro.  Em 1986 inicia a sua colaboração com a Cinemateca Portuguesa.

O estilo do designer editorial Luís Miguel Castro é simples mas eficaz e segue a estratégia das imagens fotográficas e preto e branco contrastadas com grandes superfícies de cor plana. Os meios-tons das fotos e as texturas a desfazerem-se em grão chocam com a solidez das cores abstractas e geométricas.

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Trabalho de Luís Miguel Castro para a Cinemateca Portuguesa

 

Guião – Filme do Bairro

CENA 1

Cenário – Local onde decorre a reunião semanal entre amantes da poesia. (Este é simples, círculo de cadeiras, com brinquedos de criança espalhados pelo chão.)

GASPAR (com um postura claramente incomodada)

Não é cedo para estar a beber?

ELIZABETH
Tu bebes quando tens a necessidade de aliviar a tua alma, isto é assim meus caros, não há tarde nem cedo para começar.

ÁLVARO (com uma atitude cínica e apática)

Ama o que fazes que qualquer dia deixarás de o fazer.

(A conversa desencadeia-se, revelando gostos e atitudes dos Outros:
A carência de Gaspar.
A perversidade de Roberto.
O silêncio misterioso de Maria.
A curiosidade desperta de Creta.
A atitude solida de Corvo.
O realismo desencorajador de Elizabeth.
A indiferença de Álvaro)

ROBERTO
Porque é que estão as coisas da Maria no chão?

CRETA
Acho que ela ainda está a dormir..

ROBERTO (com uma voz provocadora)

Achas?

CRETA (firmemente, num tom defensivo)

Acho. Não tenho a certeza, não estou ao pé dela.
..Se calhar ainda está no parque.

ROBERTO (malicioso)

Cá para mim foi raptada ou… violada.

GASPAR (Claramente agitada e perturbada)

Não digas isso!!

ELIZABETH
Não diz porquê? Se calhar até é verdade.

ÁLVARO
Há que ser realista.

MARIANA
Pode só estar no mundo dela..
(…)
Posso ver essa revista?

ROBERTO
Podes.

ELIZABETH
Para veres cus e mamas? É isso que o Roberto passa a vida a ver, não é..

ROBERTO
Mas tem algum mal, ver cus e mamas?

ELIZABETH
Eu acho que não, acho que faz pior beber de manhã… mas é assim, cada um a sua cena, não é?
(…)
(todavia Mariana folheia a revista, cautelosamente)

ROBERTO
Então Creta, gostas da revista? Se calhar não faz muito teu gosto…
(…)

CRETA
Eu não percebo porque é que a Maria Felicidade está ali tão calada.
(Maria mantém-se em silêncio, com o seu olhar atento e controlado)

ELIZABETH
Teve uma noite muito atribulada ontem..

ROBERTO
É o costume.

GASPAR (com um reflexo protetor)

Não sejam assim!

ELIZABETH
Nós estamos a ser realistas! Nem toda a gente é feliz e contente..

ROBERTO
Só porque te chamas felicidade.. não tem nada a ver com isso.

CORVO
..lá na minha zona há malucas dessas. Nem sabem o que eu faço com elas..

ÁLVARO (trocista)

Que é que fazes com elas?

CRETA (curiosa)

Que é que fazes com elas?

GASPAR (preocupada)

Que é que fazes com elas?

CORVO
..Primeiro, levo-as para casa. E depois..

ROBERTO
Calma lá, que isto é interessante..

CORVO (hesitante)

(…) e depois, a umas, arranco-lhes a cabeça

ÁLVARO
Devias ter cuidado com o que dizes.

ELIZABETH
Qualquer dia levas uma porrada.. é só meteres-te com a gaja errada.

CORVO

Elas caem todas.

ELIZABETH
Talvez as burras…

CRETA
A Maria Felicidade caía..

ROBERTO
Ela nem diz nada..

GASPAR
Parem!!
(A conversa disperse-se, e o grupo começa a discutir)

ELIZABETH
Isto é o que acontece quando a miúda não está cá. Parece que a gente esquece um bocado o
que se passa lá fora..

CORVO
Nunca pensei dizer isto.. mas eu até gosto da miúda.

CRETA
Ela é alegre.

ÁLVARO
É uma criança. O mundo dela é mais fácil.

CRETA
Também não sei como é que ela se juntou a nós…

GASPAR
É verdade..

CORVO
É por isso que eu gosto dela.. Porque ela não tem medo.

ÁLVARO
É verdade que é uma criança interessante.

CRETA
Se tivesse medo, era contrário ao seu nome.. (irrequieta com a máquina)

ROBERTO
E esse gravador, já podias parar com isso?

CORVO
Sinceramente também já me está a irritar.

ELIZABETH
Não vejo qual é a piada de andares a gravar, honestamente.

CRETA
(hesitante) Satisfaz.

ROBERTO
Satisfaz o quê?

CRETA
Necessidades.

ROBERTO
Tens desejos de ouvir as nossas conversas que nós temos, é isso?

CRETA
Não são as conversas!! Eu nem estava a gravar..

ÁLVARO
Não gosto de ser gravada em conversas privadas.

CRETA
Eu não estava a gravar. Eu não gravo conversas… eu gravo sons.

CORVO
Sons de quê?

CRETA
(com um tom surpreendentemente sereno) Sons… violentos.

GASPAR
..e gostas?

CRETA
Gosto.

ROBERTO
Gostas de violência?

CRETA
Gosto.

ELIZABETH
Olha!! Junta-te aqui ao nosso caro amigo (apontando para a Nádia) que gosta de partir a cabeça às miúdas, não é…

CRETA
Ele é demasiado violento, tem um problema.

CORVO
Devias ouvir a falar as vozes que estão na minha cabeça.. elas sim, são violentas.

CRETA
Eu gostava era de ouvir falar ali a Maria Felicidade, mas ela não diz uma palavra..
(a conversa dá rumo a um momento de gozo contra a Maria Felicidade, que sem abrir a boca, reage de forma revoltada contra as insinuações e ideias que criam dela.)
(entretanto, Álvaro brinca insistentemente com o isqueiro)

CORVO
E tu, não paras com isso? És.. piromaníaco, ou quê?

GASPAR
Vais-te queimar..

ÁLVARO
É divertido. É um perigo que salvou a Humanidade.

ROBERTO
O fogo? Salvou a Humanidade? Então porquê?

ÁLVARO
Achas que viveríamos como vivemos, sem o fogo?
..Qual é a razão da existência do fogo? As pessoas têm medo de coisas que as ajudam na vida. Em vez de aproveitar o que vêem, aproveitar o que têm à volta.. acabam por desperdiçar a vida.

GASPAR
Eu nunca mandei um isqueiro para o lixo.

CRETA
Deves ter uma grande coleção, tu..

GASPAR
(ri-se, nervosamente) É verdade..

ÁLVARO
Não te devias agarrar a nada de material.

ELIZABETH
Como tu te agarraste ao fogo? Estás agarrada ao isqueiro. A partir do momento em que gostas do fogo, tens que te agarrar a algo que o crie. O fogo não aparece do nada..

ÁLVARO
Há uma diferença entre estar agarrado, e aproveitar de algo que nos é dado.

ELIZABETH
Acabaste de dizer que não precisavas de nada.

ÁLVARO
De material, não. Não é uma necessidade.
(com um desvio na conversa, o grupo começa de novo a atacar a Maria Felicidade, tendo apenas o Gaspar a defendê-la.)
(…)

ÁLVARO
Cá para mim ela não faria falta aqui.

GASPAR
Todos fazemos falta.

ÁLVARO
Como?

GASPAR
Cada um tem a sua razão de estar aqui.

ÁLVARO
(muito seguro das suas palavras) A maior parte de nós acaba por ser insignificante.

ELIZABETH
Olha, agora falaste!

ÁLVARO
Mas só acabas insignificante se te o deixas ser. Para ser grande, sê inteiro. Sê tudo o que és, e faz o teu melhor para sucederes o máximo na tua vida.

CORVO
Ninguém sabe quem tu és.

ÁLVARO
Não preciso que ninguém saiba.

CRETA
(hesitante) …Grande parte de nós aqui já cometeu um crime. Porque é que nós não.. não nos denunciamos a ninguém?

ROBERTO
Eu nunca cometi um crime.

CRETA
(num tom de ironia) Dizes tu.

ROBERTO
Que eu saiba.

CORVO
Quantas mulheres já violaste?

ROBERTO
Nunca violei ninguém.

CORVO
Dizes tu.

ROBERTO
(com um ar convencido) Elas vêm porque querem, não sou como tu.

CORVO
(com uma voz monótona) Não é bem a mesma coisa.. Eu mato-as.

ELIZABETH
(sarcástica) Pois, eu acho que isso é a parte que elas não querem..

ÁLVARO
(com um sorriso frio) Que é que interessa o que elas querem. Desde que o faças bem e não te metas em sarilhos.

GASPAR
(claramente perturbada) Eu não sei como é que vocês conseguem falar assim das mulheres..

CORVO
Muheres, homens..

ROBERTO
É o que vier, não é? (riso mesquinho) Assim é que é!

ELIZABETH
Da mesma maneira que falas dos pretos, dos brancos, da mesma maneira de que se fala agora dos refugiados… simplesmente fala-se.

GASPAR
(tentando, sem sucesso, manter algum ânimo na sala) Esqueceste-te dos chineses.

ROBERTO
Não estamos a excluir aqui ninguém, calma lá…

ELIZABETH
Ah, não! A criança já se excluiu sozinha, claramente decidiu que nem queria vir..

GASPAR
(com um instinto defensivo) Ela não o fez de propósito!!

ELIZABETH
Mm, se ela quisesse cá estar provavelmente já cá estaria, não é..

ÁLVARO
Se eu tivesse escolha provavelmente também não teria vindo.

ROBERTO
Bem tu (virado para Gaspar) estás muito a par da situação da criança..

GASPAR
(suspiro dececionado) Eu pelo menos preocupo-me com ela..

ROBERTO
O que é que farias se eu fosse ter com ela?
(Gaspar mantém um olhar persistente e intimidante direcionado à chantagem de Roberto, sem ceder às suas ameaças)

ÁLVARO
Achas mesmo que és importante na vida dela?

GASPAR
Enquanto eu dou uns chutos, ela dá outros.

FIM